Sobre a morte e o morrer em pacientes terminais
O livro “Sobre a morte e o morrer” da psiquiatra americana Elizabeth Kubler-Ross aborda o tema da morte em pacientes terminais, destacando a importância de um cuidado emocional humanizado e não apenas biológico para os pacientes em processo de morte. A psiquiatra investigou, a partir de sua experiência em hospitais com médicos, enfermeiros e familiares, e escutando a própria voz dos moribundos, como as necessidades emocionais de pacientes nessa condição são frequentemente negligenciadas ou esquecidas tanto por médicos quanto por enfermeiros e familiares. O trabalho de Elizabeth é consistente e nos prova que nesse momento de encerramento da vida há um valor inestimável na paciência, na escuta e no apoio emocional ao paciente.
O livro faz apontamentos importantes sobre como a morte é tratada a partir dos avanços científicos da sociedade atual: esses avanços costumam servir de meio para uma busca incessante por prolongar a vida a qualquer custo, tomando o corpo doente como um objeto a ser submetido à necessidade da ciência de rejeitar a morte até as consequências mais artificiais e desgastantes. Assim, a morte tem sido relegada a hospitais e ambientes clínicos, onde frequentemente se torna um processo mecânico, solitário e desumanizado. Este afastamento do morrer em um ambiente familiar e digno (como antigamente era inevitável) reflete um paradoxo de nossa sociedade moderna. Apesar de nosso alto grau de emancipação e conhecimento científico, parecemos mais temerosos e negadores da morte do que nunca. Será que não podemos reconhecer os limites da medicina e da ciência sem que isso seja uma ofensa a seus avanços, em prol de encarar a morte à sua altura? Não pode ser emocionalmente benéfico a todos os envolvidos poder ajudar o paciente a tatear a morte com emoção e submeter-se a ela com dignidade?
Morrer em um hospital pode, muitas vezes, significar ser submetido a uma série de intervenções que, embora bem-intencionadas, podem desconsiderar os desejos do sujeito adoecido, transformando seus momentos finais em uma luta solitária e angustiante.
Existem muitos recursos da medicina e da enfermagem para prolongar a vida e atrasar um pouco o relógio biológico, mas será que esse é o desejo do paciente terminal ou é apenas nossa vontade de negar ou adiar a morte?
Como podemos usar esses recursos de maneira ética, levando em consideração que um sujeito em sanidade pode ter participação ativa em suas decisões de fim vida, de modo que sua morte possa ser, se ele desejar, um processo mais pacífico e digno, com experiências menos mecânicas, com mais compartilhamento afetivo e menos tentativas de evitar ou atrasar o que já se constata como inevitável? Afinal, o que significa tomar decisões pelo paciente moribundo, sem seu consentimento, se não uma dificuldade do profissional ou dos familiares de encarar a morte de maneira mais humana e menos onipotente?
O estágio de aceitação da morte, muitas vezes mal compreendido pelos familiares e pelo pessoal hospitalar, é o que possibilita um fim pacífico. Obviamente, diferenciar entre um paciente que está desistindo cedo demais e um que está aceitando sua morte é o ponto central. Quando a aceitação não significa apenas derrota, mas uma preparação para a morte, isso pode ser um alívio tanto para o paciente quanto para sua família.
Poder compartilhar o luto da própria morte com os médicos, enfermeiros e familiares pode ajudar na aceitação da mesma e torná-la uma experiência menos solitária e mais comunitária, pois não é só o paciente reconhecendo seu fim, mas todos à sua volta, de modo que ele pode, inclusive, se desejar, falar com pessoas em busca de realizar seus últimos desejos afetivos, de controle de seu legado e de sua dignidade. Isso proporciona uma preparação emocional gradual e uma maior aceitação da morte. Um ambiente assim pode tranquilizar o doente a ponto de fazê-lo sentir que pode pacificamente se entregar à morte, sem precisar se desgastar numa sobrevida que ele sente como desinteressante e indigna, apenas para atender a vontade alheia de que ele viva um pouco mais por meio de recursos que podem adiar sua morte – mas nada além disso.
O livro ressalta que a morte em si não é o principal problema para os enfermos, mas sim o medo de morrer, que está associado ao sentimento de desesperança e isolamento. É em torno destes dois últimos sentimentos que devemos promover cuidado emocional e escuta, e esse cuidado será um meio tão importante na pacificação mental do paciente quanto o alívio de suas dores físicas. Por exemplo, as pesquisas da psiquiatra revelaram que a presença compassiva e silenciosa de entes queridos e profissionais de saúde pode transformar a experiência da morte em um momento menos assustador ou até mesmo pacífico. Manter o foco exclusivamente nos procedimentos médicos e técnicos sem considerar o que o paciente pensa sobre isso é tratá-lo como um objeto sem necessidades emocionais. Para alguns pacientes moribundos, ser removido de seu ambiente familiar e levado para morrer em hospital pode ser pior do que a própria morte, causando uma sensação de desamparo e isolamento que só tornam o processo de morrer ainda mais penoso. Ao serem internados, os pacientes perdem o contato próximo com seus entes queridos, animais de estimação e ambiente familiar. Se a internação não for sua vontade própria, este afastamento contribuirá para que a morte se torne um evento mais solitário e desumano.
No livro também vemos que os pacientes terminais costumam sentir uma necessidade de deixar algo para trás, de fazer uma contribuição final que possa dar sentido ao encerramento de sua vida. Seja doando órgãos ou compartilhando suas histórias e experiências, este desejo de utilidade e legado é uma maneira de encarar a morte sem grandes batalhas, mas a favor dela.
A grande contribuição de Elizabeth Ross é mostrar que o suporte aos moribundos não deve se limitar aos procedimentos médicos e técnicos. Concentrar os cuidados em monitorar sinais vitais e administrar tratamentos e “esquecer” da importância de ouvir e respeitar os desejos dos pacientes, permitindo que eles participem das decisões sobre seu próprio cuidado, pode ser muito prejudicial para seu conforto emocional e bem estar.
Em suma, o livro busca sensibilizar tanto os familiares quanto os profissionais de saúde para as necessidades emocionais dos pacientes terminais, promovendo uma abordagem mais humana e digna no lidar com a morte.
A metáfora de uma estrela cadente ilustra poeticamente a morte: um breve brilho que desaparece na imensidão do céu, lembrando-nos da singularidade e finitude de cada vida. Ser médico ou acompanhante de um paciente em estado terminal é um lembrete constante de nossa própria mortalidade e de como podemos saber-fazer com ela, apesar dela. Todos nós, sejamos médicos ou não, devemos refletir sobre essa frase: quando não podemos curar, podemos cuidar, ainda.
Patrícia Andrade
Psicanalista e psicóloga, aprimorada em Saúde Mental pelo Instituto A Casa e membro da rede Inconsciente Real