O que é Pulsão Escópica?

O que é pulsão escópica?

Vamos falar sobre a escopofilia, a pulsão do olhar.

Lembremos que a pulsão é um conceito que tenta dar conta das formas humanas de relação com objetos e sua busca por satisfação*. Como as pulsões não podem se tornar objeto da consciência (1915), elas são representadas por ideias ou estados afetivos. É assim que temos notícia das pulsões e foi a partir disso que Freud criou sua teoria a respeito delas.

Para a psicanálise, o olhar não se limita à visão oftalmológica de algo ou alguém, mas está para além da visão. Segundo Freud (1910) é através do olhar que percebemos não só as alterações no mundo externo, importantes para a preservação da vida, como também características dos objetos que escolhemos como objetos de amor – seus encantos.

*Pois se o olhar da psicanálise se limitasse à visão oftalmológica, então pessoas que não enxergam não poderiam se constituir enquanto sujeitos, já que todos precisamos do olhar do Outro para existir.  Sabemos que quem não enxerga encontra outros meios de percepção equivalentes a função dos olhos)

Os encantos de um objeto para alguém são singulares e, em parte, inconscientes. O que vemos com os olhos (ou, no caso de pessoas que não enxergam, com algum tipo de percepção que equivalha a essa função) passa pelos “olhos” do nosso inconsciente, com suas demandas, interpretações e fantasias. Esses encantos do objeto poderão, inclusive, entrar em conflito com instâncias psíquicas (que estudamos em posts anteriores aqui no ABC) como o Id, Ego e Superego, formando sintomas. A perda temporária da visão foi estudada por Freud em muitos casos de histeria e envolvem algo da pulsão escópica segundo o que o psicanalista escutou na narrativa das histéricas sobre a origem do sintoma…curioso, não?

Frequentemente nos flagramos precisando olhar algo ou alguém, a nos olhar ou a sermos olhados por outrem. A partir dessas atitudes, passivas ou ativas, sempre há um interesse inconsciente: o que estamos querendo com isso?

Em algumas pessoas, a escopofilia pode virar um fim em si mesmo, como perversões voyeuristas/exibicionistas, nas quais, respectivamente, um sujeito se fixa numa única e exclusiva forma de satisfação, que eclipsa todas as outras, inclusive o ato sexual do coito. Esse é o caso, por exemplo, do perverso exibicionista, pessoa que precisa mostrar algo a alguém, em geral os próprios órgãos genitais e sem o consentimento do outro, gozando com a reação (efeito) que isso gera naquele que é obrigado a olhar. No inverso temos o voyeurista, que aprisiona o outro em seu olhar sem que este o saiba, e tira daí toda sua satisfação, sem nenhum tipo de consentimento ou interesse em buscar um contato mais ajustado com o outro. 

Em alguma medida, todos temos algum prazer em olhar a si (narciso), ao outro (voyeur) e a ser visto (mostrar, exibir), do contrário, não existiria televisão, cinema, arte, redes sociais, selfies, paparazzi, Big Brother Brasil…por aí vai!

Diferente do perverso, ‘brincamos’ com esses prazeres de maneira consentida e socialmente aceita. Querer saber da vida íntima do outro, assistir a isso, observar o outro, seu rosto e corpo nos mínimos detalhes fotográficos, romper os limites entre público e privado…isso tudo, em alguma medida, pode ser facilmente perceptível no nosso cotidiano. 

A busca excessiva e descompensada de alguém por: 1- olhar o outro, 2- ser olhado (mostrar-se ou exibir-se) ou 3- olhar a si próprio, pode ser a porta de entrada para boas perguntas no divã do seu psicanalista. Excessos, ainda que não sejam perversos, apontam para algo recalcado que pode estar gerando sofrimento e angústia. Por exemplo, quem é excessivo numa posição ativa, em geral, recalca uma posição passiva e vice-versa: quem só quer olhar (posição ativa) em geral tem dificuldade, desprazer ou impossibilidade em ser olhado, e, por isso, se esconde nas relações com o outro. Já quem precisa muito estar na posição passiva de ser olhado provavelmente recalca a posição passiva de olhar e observar bem o outro. Enquanto o perverso realiza sua pulsão escópica de maneira fora de qualquer lei e consentimento, o neurótico cria fantasias e contextos para se satisfazer…

E você, de que forma você percebe que a pulsão escópica – os prazeres do olhar – se representam em sua vida?

 

Patrícia Andrade

Psicanalista e psicóloga, aprimorada em Saúde Mental pelo Instituto A Casa e membro da rede Inconsciente Real

 

Bibliografia

Freud, S. A Concepção Psicanalítica da Perturbação Psicogênica da Visão, 1910.

Freud, S. O inconsciente, 1915.

Freud, S. As pulsões e suas vicissitudes, 1915.

Fortes, P.M. Pulsão escópica: a relação entre o olhar e a fantasia na psicanálise. TCC, Unijuí – RS.

Youtube. Christian Dunker, Falando nIsso 340 – exibicionismo e voyeurismo

*Dicionário del psicoanálisis; Amorrortu Editora

 

Compartilhe:

Facebook
LinkedIn
Twitter
Telegram
WhatsApp