ABC do Inconsciente – O tempo da neurose obsessiva
O tempo na neurose obsessiva possui uma relação intrincada com a forma como a sociedade contemporânea organiza e institui a temporalidade. A aceleração é a característica mais marcante do regime temporal atual.
Este fenômeno costumamos denominar “fome de tempo” e todos nós somos afetados por ela em nosso aspecto biológico, social e psicológico também. No aspecto psicológico, pode surgir algum sintoma (uma espécie de resposta do sujeito, singular e criativa, que se origina da relação entre o mundo externo e seu próprio mundo interno, inconsciente). O sintoma é a única parte do sofrimento humano que está ao alcance do trabalho do psicanalista, já que este não pode tratar da parte do sofrimento que tem causas políticas, econômicas e sociais.
No aspecto psicológico podem surgir sintomas obsessivos que, por sua natureza de sintoma, é porta voz de nossa divisão subjetiva (consciente e inconsciente), de nossos conflitos…
Freud foi pioneiro ao identificar a neurose obsessiva como uma categoria distinta dentro das neuroses, diferenciando-a de quadros como a mania e a paranoia. Ele observou que, ao contrário do paranoico, que tem uma certeza inabalável e projeta a culpa no outro, o neurótico obsessivo vive na dúvida constante, auto-recriminando-se e desconfiando de si mesmo. Essa “loucura da dúvida” é uma característica central da neurose obsessiva, refletindo uma profunda incerteza que retira o indivíduo da realidade e o isola do mundo. Os sintomas obsessivos como a procrastinação e a inflação do pensar possuem uma relação direta com o tempo. Através desses excessos o obsessivo busca afastar-se do Desejo e se apegar a uma demanda incessante por tempo. Tal dinâmica provoca um descompasso temporal, onde ele tenta responder ao tempo do Outro sem cavar um espaço para si onde possa pensar por si próprio e encontrar seus conflitos incluindo a demanda desse Outro, mas para além dela.
Os sintomas obsessivos costumam girar em torno de controle, rigor e numa tentativa mortificante de evitar os riscos e os conflitos inerentes ao desejo e seus movimentos. Ele procrastina, renuncia à vida e se faz de morto, aguardando um momento de controle absoluto que nunca chegará.
Essa tentativa de evitar o sofrimento e a castração, paradoxalmente, resulta em mais sofrimento, perda e culpa…
Dessa forma, a aceleração social não é única causa direta do sofrimento psíquico, mas influencia indiretamente. Pessoas angustiadas pela falta de sentido em suas experiências de vida podem aderir aos ideais de aceleração como um meio de enfrentar o desamparo, reforçando uma posição de atender demandas rigorosas mas afastando-se de uma posição mais alinhada com seus desejos.
Por fim, o tempo na neurose obsessiva é multifacetado, envolvendo uma complexa interação entre a aceleração social, a formação do eu e seus sintomas. Diante da inevitabilidade da castração e da morte, como você tem lidado com o tempo?
Referências:
Ribeiro, M.A.C. A neurose obsessiva. Zahar.
Freud, S. (1909) A propósito de um caso de neurose obsessiva (O Homem dos Ratos), 181-182.
Neurose obsessiva e tempo: incidências da aceleração social? http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-62952018000200003
Patrícia Andrade
Psicanalista e psicóloga, aprimorada em Saúde Mental pelo Instituto A Casa e membro da rede Inconsciente Real