ABC do Inconsciente – Felicidade
Como o homem se relaciona com o mundo e seus limites? Freud, em sua obra “O Mal-Estar na Civilização”, nos oferece ideias valiosas sobre a natureza da felicidade, suas limitações e seu papel na vida humana. Nesse texto, o psicanalista discute dois princípios fundamentais que regem o funcionamento da mente humana: o princípio do prazer e o princípio da realidade. Esses princípios desempenham papéis importantes na forma como os indivíduos lidam com suas necessidades e desejos.
O princípio do prazer se baseia na busca pelo prazer imediato, sem restrições, buscando evitar o desconforto e a dor, buscando a satisfação de suas necessidades e desejos de maneira imediata, sem considerar as consequências a longo prazo. Em outras palavras, o Princípio do Prazer busca a obtenção do máximo prazer e a minimização do desprazer no momento presente. Mas uma vida que só busca o prazer imediato é tão tentadora quanto mortal e insustentável, pois também precisamos de estratégias mais complexas e menos imediatas para alcançar certos objetivos, uma vez que a realidade impõe demandas e limitações…
Ou seja, nossa busca por “felicidade” não deve se limitar apenas a escapar do sofrimento, mas também a poder “jogar” com ele tendo como base estratégias para, talvez, conseguir realizar algo que nos seja prazeroso. A parte estratégica seria papel do princípio de realidade, sendo também o que torna tudo mais complexo e dialético.
Freud dizia que sim, a felicidade plena e permanente era algo impossível (como uma utopia). Mas isso não deve ser motivo para desânimo, pois buscá-la tem sua função. O próprio Freud reconhecia que isso era algo importante e mobilizador tanto para o indivíduo quanto para para a sociedade, um poderoso motivador para ações, realizações e descobertas humanas.
Freud, apesar de reconhecer a impossibilidade de alcançar a felicidade de forma plena, enfatizou que a função da felicidade não está apenas na sua realização, mas na sua presença enquanto pensamento, enquanto anseio. O processo reflexivo sobre quem fomos, somos e o que podemos ser é parte da experiência humana. É por meio deste questionamento sobre a felicidade que nos tornamos humanos e caminhamos em direção a algo.
Por fim, Freud nos lembra que não há uma regra universal na busca pela a felicidade, pois cada indivíduo deve encontrar seu próprio caminho… Enquanto a felicidade pode ser efêmera e intermitente, o sofrimento, como Freud observou, é uma presença constante em nossas vidas, emergindo da vulnerabilidade de nossos corpos, das forças implacáveis da natureza e das complexas relações humanas.
Cada uma dessas fontes de sofrimento traz consigo uma dose do que Jacques Lacan chamou de “Real”, o inatingível e o impossível que moldam nossa experiência.
Referências:
Freud, S. O mal estar na civilização. Companhia das letras.
Sewaybricker, L. Felicidade: utopia, pluralidade e política a delimitação da felicidade enquanto objeto para a ciência
Patrícia Andrade
Psicanalista e psicóloga, aprimorada em Saúde Mental pelo Instituto A Casa e membro da rede Inconsciente Real