A paixão pelo futebol

A paixão por futebol.

O universo do futebol, tão rico em paixão, pode ser abordado a partir de uma perspectiva psicanalítica, especialmente ao relacioná-lo com o conceito de Eros, que na psicologia de Freud representa a força pulsional voltada para a busca de formação vínculos afetivos e a união entre indivíduos.

A torcida reflete o aspecto coletivo e emocional do Eros. A alegria compartilhada na comemoração de um gol é um exemplo vívido de como a paixão pelo futebol pode unir multidões em uma experiência que ultrapassa o individualismo. Essa sensação de pertencimento a um grupo, de compartilhar êxtases e frustrações, pode ser comparada à busca pelo encontro e pela conexão afetiva, características essenciais do Eros.

Gostar de futebol é uma experiência que transcende o campo e se inscreve profundamente nos corações daqueles que compartilham a paixão pelo esporte. Sendo o futebol uma paixão, ele é capaz de fazer coisas mágicas acontecerem ao criar laços entre pessoas que nunca se viram antes, pessoas de diferentes origens, culturas e profissões. Através dessa afinidade esportiva, você cria conexões que ultrapassam barreiras limitantes, criando vínculos improváveis entre pessoas.

A magia também acontece quando você conta para alguém qual é o seu time de coração. Se você é uma criança, se aproximar de um adulto pode ser muito fácil se vocês torcem para o mesmo time e, assim, uma conexão instantânea é estabelecida. Até quem não torce para o mesmo time pode ficar amigo, bastando o futebol ser um papo em comum para discutir ou brincar.

Dentro das paredes de um estádio, essa magia se intensifica ainda mais. Lubrificado pela alegria e paixão pelo time, você é capaz de abraçar afetuosamente um completo desconhecido na hora do gol. No momento da celebração, o estádio se torna um abraço coletivo.

Para o bem ou para o mal, o futebol pode se revelar como uma válvula de escape. Em momentos de dificuldade na vida, quando tudo parece estar desmoronando, o seu time permanece como uma constante. A alegria de ver o seu clube vencer é um raio de esperança em meio às tempestades pessoais. É a centelha que ilumina a escuridão, a lembrança de que a vida pode ter momentos de triunfo e euforia, mesmo quando parece sombria.

É claro que, como toda experiência de massa, existe um risco nessa coletivização das paixões; sabemos que o ódio e a agressividade ao inimigo podem se fazer destrutivos num contexto de massa. Além disso, a covardia moral pode se instalar, onde pessoas envolvidas no funcionamento de um grupo podem ser levadas a fazer coisas que não fariam individualmente, perdendo assim parte de sua responsabilidade pessoal. Isso pode levar à redução da capacidade de pensar criticamente e de discriminar nuances.

No final das contas, o futebol vai muito além das regras do jogo e dos resultados das partidas. Ele tece uma rede complexa de emoções, conexões humanas e identificação grupal. Ser parte dessa comunidade apaixonada é experimentar uma camaradagem única, encontrar amigos em lugares inesperados e descobrir a alegria na vitória e consolo na derrota. Sim, porque o futebol ensina a ganhar e a perder. Se seu time ganha, você tem a alegria de comemorar coletivamente a vitória. Se seu time perde, você tem ao menos o consolo, se não a alegria, de não estar sozinho com essa tristeza e de poder amortecê-la num consolo fraterno entre os seus.

Em resumo, a paixão pelo futebol e suas identificações podem ser tanto construtivas quanto destrutivas, a depender do indivíduo e sua subjetividade.

É como disse Freud em “O mal estar na civilização”: sempre é possível ligar um grande número de pessoas pelo amor, desde que restem outras para que se exteriorize agressividade.

 

Referência:

Freud, S. O mal estar na civilização. Companhia das Letras. 

 

Patrícia Andrade

Psicanalista e psicóloga, aprimorada em Saúde Mental pelo Instituto A Casa e membro da rede Inconsciente Real

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