O que é um ato analítico?

O que é um ato analítico?

Esse tema foi abordado na live de discussão clínica em 05 de março. Insistimos que não é qualquer ação tomada pelo analista. Um ato analítico é a intervenção feita pelo psicanalista desde sua função eticamente estruturada. Uma interpretação, um corte, uma pontuação, uma escansão e qualquer coisa feitas dentro de um contexto transferencial e que tem efeitos sobre a posição do sujeito em seu discurso.    

O caso de Suzanne Hommel, uma paciente de Lacan, e hoje psicanalista da Escola da Causa Freudiana de Paris, é emblemático. Em uma entrevista, ela diz: “Sou da Alemanha e nasci em 1938. Portanto, vivi os anos da guerra com todos os horrores, as angústias, o pós-guerra, a fome, as mentiras. (…) Um dia, numa sessão, contei a Lacan um sonho que tive. Eu disse: ‘Acordo todo dia às 5h’, e acrescentei: ‘Era às 5h que a Gestapo vinha procurar os judeus em suas casas.’ Nesse momento, Lacan se levantou como uma flecha de sua poltrona, veio na minha direção e me fez um carinho muito doce no rosto. Eu entendi: ‘geste à peau’, o gesto…”

Suzanne Hommel viveu os primeiros anos de sua vida com medo da violência que batia à porta. Vale a pena notar o gesto de bater à porta, a mão usada como signo da violência à espreita. Nesse sentido, é notável que a violência e a própria vulnerabilidade parecem desenhar a queixa que ela dirigia a Lacan, presentes como efeito de significado de “Gestapo”.

O analista escuta isso que se repete; isso que, na repetição, dá consistência ao mundo que a pessoa traz à análise.

Dito isso, qual é o ato analítico neste caso, este ato que faz exemplo? Elevar Gestapo, a Geheimes Staats Polizei, à condição de significante, reconduzí-lo a uma cadeia metonímica, podendo produzir um novo efeito de significado como Geste à Peau, gesto sobre a pele. O significante não é simplesmente uma palavra, mas um elemento diferencial dentro de uma estrutura. E para Lacan, a linguagem, a estrutura, é caracterizada pela primazia do significante, quer dizer, a tensão diferencial entre os elementos é o que produz o significado. Alguns significados, no entanto, se adquirem uma consistência de tal maneira insidiosa que passam a organizar a cadeia de significante e organizar o discurso. E para Lacan, um significante não representa uma coisa, mas um sujeito. Lembremos da famosa citação: “Um significante representa um sujeito para outro significante”. A Gestapo organizava o discurso de Suzanne Hommel, a partir de seu significado atado à violência, ao medo, ao sofrimento, e o que representava só poderia ser um Outro de violência. O que Lacan faz é revelar o caráter metonímico do significante: a partir de sua sonoridade, a homonímia com um gesto de carinho, a mão conduzida à pele, Geste à Peau, não mais a mão batendo à porta, isso revela também a falta do Outro. Isso não quer dizer que passa a significar apenas o gesto sobre a pele, mas que deixa de significar apenas a polícia secreta nazista, e a fala se liberta. Isso tem efeito porque, estabelecida a transferência, há um sujeito suposto saber, e o ato analítico pode fazer vacilar ou mesmo alterar a posição subjetiva do analisante. Daí que seu ato pode ter como efeito a fissura na fala enrijecida pela violência. O Outro, passa a ter menos consistência, reencontra sua dimensão faltante, a falta faz mover a cadeia significante.

Renata Granusso e Diego Ramos

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