Falei na Psicanálise: “Tenho resistência à mudança.”
Já no início de sua prática, Freud percebeu que em algum momento, em todos os casos, os pacientes começavam a faltar, a manifestar certo descontentamento pelo terapeuta, a “não colaborar” com o andamento do tratamento… a isso chamou de resistência.
Freud não deixou de assinalar o quão estranho era esse comportamento, já que justamente as pessoas o procuravam para se curar dos sintomas. Como, então, essas mesmas pessoas começavam a resistir à mudança? Tal movimento dos pacientes ganhou o status de conceito, e acreditem, ele é fundamental para que uma análise ocorra. O conceito de resistência não equivale exatamente à ideia de resistência à mudança, mas dele podemos tirar boas explicações para tal fenômeno.
A primeira ideia é: resistir é natural, faz parte do processo, e se pararmos para pensar, veremos que faz sentido. Pois quando queremos efetuar uma mudança, é preciso que primeiro entendamos como aquilo funciona, para, então, fazer diferente. Porém, me parece bastante justificável que, ao chegarmos cada vez mais perto da explicação, as defesas também se tornem cada vez maiores.
Todos os sintomas e comportamentos que desenvolvemos estão ali ocupando alguma função. Fazer diferente significa abrir mão dessa função. O que não é só trabalhoso, como extremamente desgastante. Sendo assim, é natural que nosso aparelho psíquico se proteja e tente deixar tudo com o mesmo funcionamento de sempre. “O de sempre”, pelo menos, já é conhecido.
A segunda é: por mais estranho que pareça, nós sempre (sempre!) tiramos satisfação das situações. E você pode perguntar: tiramos satisfação também do que nos faz mal? De certa forma, sim. Não é exatamente dizer que nós gostamos do que nos faz mal, ou gostamos de coisas ruins, mas que no nosso aparelho psíquico não há essa divisão entre bom ou mau, há apenas a descarga pulsional. Junto a isso, temos também o conhecidíssimo “ganho secundário da doença”, pois é muito difícil algo ser unicamente ruim, e em sua totalidade, né?! Mesmo que de forma inconsciente, algo estamos “ganhando” com aquilo. O famoso “tá ruim, mas tá bom”! Nesse caminho, percebemos, então, que entre o bom e o ruim existe um juízo de valor que só é possível conferir subjetivamente. E a partir daí fazermos nossas escolhas. Ou seja, mudar implica, necessariamente, uma elaboração.
Uma elaboração que só é possível a partir de uma experiência que permita dizer “tudo” que precisamos; que acolha isso, que faça nós mesmos ouvirmos nossas próprias questões, nossos próprios sentidos, e claro, caminhos. Lembremos, a única regra imposta pela psicanálise é a associação livre. E lembremos mais, pois Freud, já em 1914, deixava claro: “recordar, repetir, elaborar”. Nós só podemos enfrentar aquilo que deixamos aparecer!
E já que estamos em dezembro de 2021, um nada convencional ano (principalmente para nós brasileiros), tomo certa licença poética e deixo claro: no campo da resistência, melhor que não a tenhamos, apenas sejamos!
Bibliografia:
FREUD, S. – (1914) Recordar, repetir e elaborar. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Vol. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
_______. – (1917) Resistência e Repressão. In: Conferências Introdutórias sobre psicanálise (1916-1917 [1915-1917]). Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.