Mulheres na Psicanálise: Neusa Santos Souza.
Tornar-se Neusa.
Neusa Santos Souza foi uma psicanalista e psiquiatra brasileira que nasceu em 1948 na cidade de Cachoeira, na Bahia, e faleceu em 2008 na cidade do Rio de Janeiro. Durante sua passagem no Rio, pôde desenvolver seus estudos, exerceu a clínica psicanalítica, participou de espaços de militância política e desempenhou importante papel na difusão do ensino de Jacques Lacan. De origem humilde, como relatam seus amigos, ingressou na universidade no curso de medicina, porém desde o começo da graduação esteve inclinada à área da psiquiatria. Ainda nesta primeira fase acadêmica, Neusa relatou que teve encontros com os textos de Freud num componente curricular da graduação que estudava a relação médico-paciente e tinha como base o conceito de transferência em Freud.
A psicanalista começou sua atuação profissional antes mesmo de concluir a graduação, na função de como assistente de sua amiga no Sanatório Bahia. Teve passagens importantes nos Hospitais do Engenho de Dentro – atual Hospital Nise da Silveira – e na Casa Verde no bairro de Botafogo, onde desenvolveu seminários e grupos de estudos sobre diversos conceitos psicanalíticos principalmente a perspectiva do campo sobre as psicoses temática ao qual se debruçou durante grande parte de sua vida rendendo inclusive um livro lançado em 1991 intitulado de “A Psicose: Um estudo lacaniano”.
Reconhecidamente uma psicanalista com influência na cidade do Rio de Janeiro, sem filiação específica à uma instituição psicanalítica, teve passagem ainda em Salvador no Núcleo de Estudos Psicanalíticos (NEP), onde o objetivo principal era o de fomentar a transmissão em psicanálise na Bahia. No Rio participou de grupos de estudos no IBRAPSI – importante núcleo psicanalítico da cena carioca entre os anos 70 e 80 e na Universidade Federal Fluminense nas décadas seguintes. Sendo uma figura importante no tripé de formação de muitos analistas. No ano de 1975, mudou-se para o Rio, com a finalidade de aprofundar sua formação em psicanálise e realizou algo difícil à época no Instituto de Psiquiatria e Saúde Mental da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ingressando diretamente no mestrado sem antes ter cursado a especialização. Seu livro famoso “Tornar-se negro” conta com duas edições, sendo a mais difundida a de 1983, é fruto deste tempo de mestrado. Embora não seja sua única contribuição como autora, é sua obra mais conhecida conforme a mesma afirmou em sua última entrevista:
“referência, assim, fundamental… talvez, na minha trajetória seja o fato de eu ter escrito Tornar-se Negro. Que foi a rigor uma dissertação de mestrado e que virou um livro e que parece que hoje ainda é uma referência. As pessoas continuam me procurando muito em função desse livro e enfim, foi um livro que escrevi, portanto, há 25 anos. (SOUZA, 2008)”.
“Tornar-se negro” nasce em um contexto de enorme efervescência política em que os movimentos negros cariocas estavam se reconstruindo em conjunto com outros movimentos populares no final da década de 70, com a emergência do movimento Soul/Black Rio e do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras, o IPCN, fundado em 1976. Conforme aponta Penna (2019), Neusa Santos Souza junto a outros que militavam contra o racismo na época, frequentava as discussões e os debates deste movimento, que tinha o objetivo de disseminar a mobilização negra na África e na diáspora, buscando uma via em que a imagem no laço social sobre o negro estivesse, de certo modo, positivada. Nesta obra, Neusa Santos Souza relê o conceito de ideal do eu em Freud, a partir das situações de racismo contra a população negra. Um texto psicanalítico denso, que segue a proposta de Freud em “Psicologia das Massas e Análise do Eu” (1921), situando a psicanálise na discussão dos processos que envolvem a sociedade sem perder a perspectiva singular do inconsciente em cada sujeito. Sua contribuição e legados psicanalíticos ressurgem com força após o movimento das cotas raciais nas universidades brasileiras e o ingresso destes alunos cotistas nos programas de pós-graduação, onde principalmente nos cursos de psicologia buscam-se referências para uma clínica dos sujeitos mais próxima da situação de sofrimento psíquico encontrado por diversos grupos em nossa sociedade.
Autora de diversos artigos com temas versados referentes ao campo psicanalítico, Neusa organizou em 2005, de Maria Silvia Hanna, seu último livro: “O objeto da angústia”. Livro este que apresenta e conceitua a angústia, tema principal no Seminário X de Jacques Lacan.
Jefferson Nascimento
Especialista em Teoria Psicanalítica. Mestre e Doutorando em Psicologia Clínica – Estudos da Subjetividade Humana. Psicanalista.
Fontes:
HANNA, M. S. G. F. & SOUZA, N. S. O Objeto da Angústia. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005.
PENNA, W. P. Escrevivências das memórias de Neusa Santos Souza: apagamentos e lembranças negras nas práticas psis. Niterói: UFF, 2019.
SOUZA, N. S. A Psicose: um estudo Lacaniano. Rio de Janeiro: Campus, 1991.
SOUZA, N. S. Trilogia da Mente. Programa Espelho. Entrevista concedida a Lázaro Ramos e Sandra Almada. Rio de Janeiro: Canal Brasil, 2008. Programa de TV. Transmitido em: 4 ago. 2008.