Falei na análise: acho que estou me autossabotando

Falei na Psicanálise: “Acho que estou me autossabotando.”

“Arruinados pelo êxito”, assim Freud define aqueles que, diante de uma conquista ou da iminência dela, caem em franco sofrimento, podendo inclusive desfazer ou não permitir a conquista. Não seria essa a problemática quando nos perguntamos se estamos nos autossabotando? Seria mesmo possível começarmos a fazer tudo dar errado, quando justamente tudo caminha para dar certo?

É o que Freud investiga no texto ”Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico (1916)”. Logo no início nos lembra que uma neurose é fruto do conflito entre desejos libidinais e desejos do ego. Dessa forma cria-se a neurose, como uma satisfação substituta, já que o ego, em seu instinto de autopreservação nos privou de tal satisfação libidinal. Não sendo, porém, a original, gera sempre um sofrimento.

Como poderíamos, então, justamente diante da realização desse desejo, fazer de tudo para este dar errado? Mesmo quando passamos meses, e até anos, desejando tal objetivo, quando chegamos perto dele, às vezes nos vemos numa situação de não aproveitá-lo, podemos até mesmo fugir dele. Freud nos lembra que “o ego tolera um desejo quando ele é fantasia, mas se defenderá de sua realização”, gerando um sentimento de culpa tão grande a ponto de não suportarmos a felicidade. E é esse sentimento de culpa que não nos permite fruir ou realizar o desejo. Freud também nos lembra que o sentimento de culpa é proveniente do complexo de édipo e da forma com que conseguimos nos relacionar e questionar nossas autoridades.

Pensemos, com uma analogia, no jogo de xadrez. O processo de ir movimentando as peças não se confunde com o ato do de xeque-mate. São momentos distintos do mesmo jogo, e no primeiro podemos até pensar como algo em busca de um ideal, e o segundo necessariamente cria um antes e um depois, estabelecendo algo novo.

Com Lacan, podemos avançar ainda mais nessa discussão, pois este nos traz a ideia de que existe um certo tipo de satisfação que está ligada justamente com a insatisfação. Ou seja, mesmo que de forma paradoxal, por vezes podemos nos satisfazer não apenas naquilo que nos faz bem. Também com Lacan, pudemos elaborar um pouco mais o conceito de desejo, e entender que ele está ligado a uma falta. Como num jogo de resta um (para trazermos mais uma analogia), é preciso faltar uma peça para que as outras se movimentem. Dessa forma, sempre que estamos chegando perto do nosso desejo, podemos começar a ficar angustiados, pois nada é assim tão completo, fechado, certinho. Chegar a um objetivo significa entender renúncias, dificuldades, processos. Não é fácil mesmo lidarmos com tudo isso! 

Sendo assim, um caminho de saída para a autossabatogem é justamente poder investir em se conhecer. Não para nos entendermos por completo, mas justamente para entendermos que do nosso desejo algo sempre escapa, podendo assim (quem sabe…) ficar em paz com ele.

 

Ingrid Valério

Psicanalista, psicóloga com especialização em Clínica Psicanalítica pelo IPUB/UFRJ, membro da rede Inconsciente Real e do grupo de estudos “Seminário 5”.

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