ABC do Inconsciente: Como funciona a Psicanálise

ABC do Inconsciente: Como funciona a Psicanálise?

Como funciona a psicanálise? Em 1926 Freud escreve “À questão da análise leiga”, texto no qual o autor defende que a psicanálise poderia ser praticada por sujeitos não médicos. Para Freud, seria necessário que aqueles interessados em aplicar análise em outras pessoas se submetessem eles próprios a análise pessoal com outro analista, fizessem formação teórica e prática em instituições psicanalíticas (cerca de dois anos de formação), supervisão clínica e troca de ideias nas associações psicanalíticas. Não ser leigo em psicanálise é o que importa para Freud, a ponto do autor admitir que lhe preocuparia mais um médico leigo em psicanálise aplicando psicanálise do que o contrário!

Ao longo do texto, Freud vai explicando qual o trabalho de um psicanalista frente a doença neurótica que ele vai comprovar ser uma “doença especial” que mereceria um “tratamento especial”, diferente das doenças tratadas pelos médicos da época, sendo necessária outra teoria e outros conceitos para tratá-la, justificando, assim,  uma outra formação e a não necessidade da formação médica!

O analista não utiliza instrumentos nem prescreve medicamentos. Utiliza apenas as palavras do paciente, que deve dizer não apenas o que ele sabe sobre si, mas também”mais do que isso”. Isso significa que o paciente deve dizer tudo que passa em sua cabeça, mesmo que pareça sem sentido, constrangedor ou desimportante. Freud fala sobre a dissuasão não fazer parte da técnica analítica, pois isso de nada adiantaria, e que, pelo contrário, devemos levar a sério a culpa de um paciente, se for o caso, se quisermos investigar o que lhe acontece. 

Diferente de um médico, a teoria usada por um psicanalista começa com o inconsciente, o aparelho psíquico. É a partir desta teoria e seus desdobramentos que um psicanalista trabalha. Ela considera que somos influenciados por partes profundas de nós mesmos e também por partes que tentam conciliar nosso eu e a realidade externa. Ou seja, somos influenciados por coisas que a gente sabe e coisas que a gente não sabe sobre nós mesmos e também coisas do mundo externo e do outro. Para Freud, a neurose é fruto de um conflito entre partes de nós que sofrem influências distintas e a neurose acontece quando algo é tão insuportável de lidar que ao invés de lidar com isso encontrando caminhos possíveis, o aparelho psíquico recalca o conteúdo como se ele não pudesse procurar outros caminhos de satisfação.

Freud fala de uma parte de nós onde moram todas as nossas vontades, onde não existe contradições e os conteúdos apenas pulsam e demandam satisfação, enquanto existem partes de nós que tentam conciliar essas contradições com outras demandas internas (do nosso aparelho psíquico) e externas (da sociedade).

Nesse texto de 1926 Freud constrói a ideia de que o psicanalista tem o papel de acompanhar o paciente em seus pensamentos coerentes e incoerentes, inteiros ou fragmentados, organizados e desorganizados, pois neles teríamos acesso aos rastros que levariam o paciente a se aproximar de um conteúdo historicamente insuportável, com o qual ele jamais soube lidar, por isso “fugiu” e recalcou o mesmo, tendo como efeito a criação de um sintoma. É como se faltasse um diálogo aberto entre partes de nós que muitas vezes nem sabemos que nos habitam ou que nos influenciam, mas estão presentes nesse conflito entre interesses de dentro de nós, da realidade, do mundo externo e do outro. Como organizar e conciliar conteúdos distintos e de diferentes profundezas conscientes e inconscientes?

Para Freud, ao menos neste texto, o trabalho gira em torno de aproximar o paciente, em seu tempo, sem interpretações precipitadas, de um ponto do qual ele não suportaria e enveredaria pelo recalque inconsciente. Trabalhando em torno desse ponto de recalque, o paciente sairia da análise, quando bem sucedida, mais “forte”, nas palavras didáticas de Freud, ou simplesmente menos enrijecido, com mais flexibilidade para lidar com algumas questões difíceis. No fim, o psicanalista lida com a dinâmica do inconsciente (da teoria), mas também com a singularidade de cada caso. É um trabalho complexo pois nele todos os lados importam (o lado consciente e os inconscientes), por isso, a neurose causa muitos travamentos e enrijecimentos, deixando muitas vezes uma pessoa “paralisada”, “imóvel” (metaforicamente ou não). Há muito em jogo. Para isso, “palavras, palavras, palavras”… (como diz o príncipe Hamlet, citado por Freud neste mesmo texto). 

 

Patrícia Andrade

Psicanalista e psicóloga, aprimorada em Saúde Mental pelo Instituto A Casa e membro da rede Inconsciente Real

 

Referências bibliográficas

Fundamentos da Clínica Psicanalítica. Obras incompletas de Sigmund Freud, editora autêntica . Tradução: Claudia Dornbusch

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