26 de Junho é o Dia Internacional de Apoio as Vítimas de Tortura. Como psicanalistas, gostaríamos de trazer para reflexão um viés que se manifesta contra a política do esquecimento e do silenciamento de crimes de tortura, tanto os do passado quanto os atuais. Sabemos que durante uma prática de tortura, o que se diz é arrancado de um ser humano, nem sempre enquanto verdade, e muitas vezes o silêncio aparece como única forma de domínio de si, até o limite da morte, como aponta Maria Rita Khel.
Enquanto psicanalistas, sabemos da necessidade humana de testemunho e reconhecimento. A tortura é um trauma radical e indizível que exige reconhecimento público como forma de reparação possível, na medida em que cria uma memória e uma herança coletiva e um martírio reconhecido.
Para as vítimas e seus familiares, poder ter essa experiência irreal devidamente inscrita na sociedade, apesar de não curar a ferida para sempre aberta, oferece o testemunho e reconhecimento a partir de onde é possível encontrar um lugar no mundo e um saber-fazer com seu trauma, perlaborando-o, desta vez como sujeito do horror que viveu, se livrando em parte da posição terrível de objeto de um outro que gozou com seu sofrimento.
À medida em que uma violência indizível passa a ser publicamente testemunhada, reconhecida como real e como inadmissível, a vítima passa a encontrar esse lugar fora-dela-mesma onde inscrever esse mal-estar e essas memórias, cada vez menos na forma de repetição traumática (crises de mal-estar psicológico), mas cada vez mais enlaçado e engajado com algo público, social, criativo e transformativo para ela e para a sociedade. Para a sociedade, porque transmite com rigor a convicção de que a tortura é intolerável (e não passível de esquecimento, abafamento ou anistia!). Para a vítima, pois dá a mesma a possibilidade de deslizar sob o trauma, apesar e para além dele. Sem essa possibilidade de circulação e inscrição do indizível, só resta o que Freud chamaria de “compulsão à repetição”. Como sujeitos de linguagem, ela é todo o recurso que temos.
Poder fazer algo com o trauma que se viveu, não dá conta do sofrimento nem o faz desaparecer por completo. Sempre haverá um resto de indizível e inenarrável.
Embora só consigamos fazer “recortes” da realidade, sem aprendê-la como um todo controlável, restando sempre algo do trauma, ainda assim, lutar por testemunho e reparação, se configura como uma via de tratamento tanto da vítima quanto da sociedade.